Artigo Sobre O Dia Nacional Do Cão-Guia
Sou Francis Guimarães, tenho 27 anos, estudante de pedagogia, instrutor de informática, pessoa cega, e atualmente sou usuário do cão-guia Elmo. Sempre quis ter um cão-guia, por acreditar que teria uma melhor qualidade de vida.
Apesar de conseguir locomover-me bem com a utilização da bengala, muitas questões causavam-me o desejo de ter um cão-guia.
Para nós, pessoas cegas, que caminhamos na rua no dia a dia, sabemos bem a quantidade de barreiras arquitetônicas que enfrentamos, pois a falta de acessibilidade é imensa em grande parte das cidades. É comum encontrar buracos, orelhões, calçadas quebradas, postes, caixas de correio, obras sem sinalização e entre outros obstáculos. Outra situação desconfortável que ocorre, é o grande número de vendedores ambulantes ocupando a calçada, que torna difícil desviar das bancas e das pessoas.
Por vivenciar todos esses obstáculos e acreditar que o cão-guia poderia me ajudar, em 2013 realizei minha Inscrição no Cadastro Nacional do Governo Federal de candidatos a usuários de cães-guia, e no ano de 2017 recebi um telegrama para participar de uma seleção de candidatos para formação de duplas com os cães-guia.
Após esse telegrama, iniciou-se o processo para formação da dupla, realizei algumas entrevistas com a equipe técnica do IFC (Instituto Federal Catarinense), também tive que passar por profissionais da saúde para comprovar minha deficiência e minha aptidão física e mental.
Então, em abril de 2018, chegou o tão esperado momento, conhecer o cão-guia que iria guiar meus passos e fazer parte da minha vida.
A escolha do cão-guia ocorre de acordo com o perfil de cada pessoa e cada cão, por exemplo, se a pessoa caminha rápido tem que ter um cão que caminhe rápido, se a pessoa tem uma vida agitada tem que ter um cão que goste de uma vida agitada. Esse processo da escolha é muito importante para que exista sincronia entre a pessoa cega e o cão-guia.
O cão, para se formar guia, passa por dois anos de treinamento. O primeiro ano é a socialização, onde ele vai morar com uma família voluntária socializadora. Cuidam dele no primeiro ano de vida e ensinam questões comportamentais, educam, ensinam coisas do dia a dia, como ir no shopping, pegar ônibus, ir ao cinema, teatro, restaurantes e etc. Quando completa um ano, ele retorna ao centro de treinamento para aprender a guiar uma pessoa cega.
Minha vida com Elmo:
Elmo me proporciona maior segurança, independência e qualidade de vida. Os obstáculos se tornam imperceptíveis, pois o cão-guia realiza o trabalho de desviar de todas as barreiras, inclusive das aéreas. Quando estou caminhando acompanhado de Elmo, não esbarro em pessoas, nem sofro acidentes em postes e orelhões, tenho uma caminhada muito mais segura e veloz. Além de desviar dos obstáculos citados, quando dou comando ele localiza faixas de pedestres, farmácias, restaurantes, banheiro dentro de local desconhecido, pontos de ônibus, balcões, saída, entrada, portas, entre outros.
Uma dificuldade que enfrentava quando não tinha o Elmo, era caminhar em lugares abertos onde não há referência para se orientar como praias, parques e estacionamentos. Hoje realizo caminhadas diárias no parque, e quando tenho oportunidade de ir na praia, também consigo caminhar por vários quilômetros, e tenho a certeza que conseguirei encontrar o caminho de volta sem a necessidade de pedir auxílio para terceiros.
No nosso dia a dia, utilizamos muito o transporte público, trem, ônibus e apps de transporte.
No trem, por exemplo, não necessito do auxílio do segurança para chegar até a plataforma, falo para o Elmo localizar a escada rolante, e depois caminhamos pela plataforma onde ele vai desviando de tudo e de todos que estão no nosso caminho. Quando ouço o trem chegar, dou comando de procura a porta e lá estamos embarcando no trem com segurança e autonomia.
O cão-guia é um grande aliado para as pessoas cegas que desejam ter maior qualidade na sua locomoção. Mas, infelizmente, o Brasil ainda é carente no que se refere ao treinamento de cães-guia. Existem poucos centros de treinamento para uma demanda muito grande. Segundo o IBGE, no Brasil são mais de 7 milhões de pessoas com deficiência visual, e estima-se que são menos de 300 usuários de cães-guia.
Quanto custa um cão-guia:
O usuário de cão-guia não paga nem um valor para receber o cão, as escolas e institutos são mantidos ou pelo governo, ou por meio de parcerias com empresas, sociedade civil, entre outros.
Os únicos custos que o usuário precisará arcar são os cuidados do cão-guia, que não demanda nada diferente que a outro cão. Apenas é importante manter uma boa saúde, com as vacinas sempre em dia, e que o cão tenha sempre uma boa higiene.
Onde o cão-guia pode entrar:
No Brasil temos a Lei nº 11.126 do ano de 2005, e o Decreto nº 5.904 de 2006, que dispõe sobre o direito dos usuários de cães-guia. Fica expressamente claro no artigo primeiro da lei que é assegurado à pessoa com deficiência visual acompanhada de cão-guia o direito de ingressar e de permanecer com o animal em todos os meios de transporte e em estabelecimentos abertos ao público, de uso público e privados de uso coletivo.
Infelizmente, a lei e o decreto muitas vezes são desrespeitados, alguns estabelecimentos tentam barrar nossa entrada. Mas a maior dificuldade que enfrento é em relação a aplicativos de transporte, os motoristas parceiros muitas vezes não permitem o embarque, quando veem uma pessoa cega com o cão-guia, cancelam as corridas. É importante ressaltar que o cão-guia é treinado para viajar de carro, e que não corre o risco de sujar o veículo, pois ele fica no assoalho do banco da frente, embaixo dos pés do usuário.
O que não devo fazer ao encontrar uma pessoa com cão-guia:
Em regra, as pessoas gostam muito de cachorro, principalmente um cão de porte grande e bem cuidado, mas é importante destacar que o cão-guia, quando está com o equipamento de trabalho, necessita estar focado na atividade que está desenvolvendo.
Não se deve distrair o cão-guia com brincadeiras, carinhos ou comida, porque ele está focado para que seu dono não sofra nenhum tipo de acidente.
No meu caso, também não gosto que as pessoas tirem foto do cão sem me consultar, pois, afinal, ele não é uma figura pública.
Caso a vontade de tirar foto ou brincar com o cão-guia seja algo incontrolável, fale primeiro com o usuário do cão-guia.
Aposentadoria do cão-guia:
Normalmente, os cães-guia trabalham aproximadamente oito anos. Quando problemas de visão, audição ou articulações começam a surgir pela idade. O cão-guia é aposentado do seu trabalho, e pode passar o resto da vida apenas como cão de estimação.
Viver com um cão-guia:
São muito claros os benefícios que o cão-guia proporciona na minha vida, mas acredito que vai muito além da relação de cão-guia e usuário, tenho muito afeto pelo meu cão, não só por me auxiliar quando eu necessito, mas por ser meu companheiro de todas as horas, ele dorme do lado da minha cama, e quando acordo ele é o primeiro a me dar bom dia. Acredito que é muito importante essa troca de afeto entre o homem e o cão.
Por Francis Guimarães, associado da Adevic, estudante de pedagogia, instrutor de informática e usuário de cão-guia.